E então aquele mesmo menino que todas as manhãs passava manteiga no pão
e misturava café no leite, naquele dia, e sabe-se lá porque naquele exato dia,
resolveu olhar os avessos...
O que está por trás de um cuidadoso bordado? Que mistérios traz aquele
entrelaçado de linhas? Qual seria a outra face da moeda? Foi como propor-se a
descobrir quais eram as fantasias dos
palhaços além dos picadeiros. Saber se eles sempre riem, sempre são felizes, se
sempre trazem a face pintada com as
cores da alegria.
Deveras, o medo vem logo em seguida, como aquele medo de dar um passo no
escuro sem saber se o chão próximo é firme e sustenta. E ele indaga-se: “Que
tanto de coragem eu preciso pra encarar os avessos? Cabe tudo isso dentro de
mim?”
Como um pássaro que alça voo ele decidiu ser forte, talvez como nunca
tivesse sido na vida, e, com os olhos trêmulos mas o coração decidido, resolve
adentrar nesse labirinto. E decide fazê-lo sem usar um novelo de lã, como fez
Teseu um dia.
Ai, a ânsia que trazem as novidades. Eles quis conhecer todos os
avessos, e o foi fazendo como um viciado, sem freios, e já não tinha mais
medo... O que ele ia encontrando ia se misturando à sua essência e sua vida foi
se tornando um outro avesso, que era uma bagunça de todos aqueles avessos
juntos.
E foram tantas reviravoltas que ele já nem sabia mais o que era certo e
o que era avesso. E tudo se resumiu a uma palavra: DESAPRENDER.
Ele se viu diante de um balaio no qual todas as coisas que ele apanhou
enquanto seguia a estrada da vida estavam dentro, e resolveu desaprender
algumas delas. Sentimentos que perderam o manual de instrução, emoções sem
pilha, amizades que secaram por falta d’água, amores que morreram na clausura.
“Por que eu acumulo tantas coisas?”, perguntava ele cada vez que mexia
no seu balaio. E assim resolve ir se livrando, sem hesitar, sem receio de
precisar daquilo novamente, pois se aprendera um dia poderia reaprender, se for
necessário. E foi dissipando aquilo que já era pobre e indigno dele.
Pronto. Conhecera o avesso do seu balaio. Conhecera a arte de deixar ir,
deixar seguir, de se desfazer e
desaprender. Equalizou suas metáforas, replantou as suas raízes, refez seus
conceitos.
Esse menino aprendeu que nem sempre vai ser feliz, que nem sempre as
coisas vão dar certo no momento que ele queria que elas dessem, que nem todas
as sementes vão germinar e nem todos os tiros acertarão o alvo. Mas o que
aprendera de mais importante foi que dá pra ser feliz em meio a isso tudo. Por
mais perfeito que seja o bordado, ele tem um avesso que o nega.
E desse dia em diante passou a aceitar a vida e suas antíteses. E sofreu
menos, e chorou menos, decepcionou-se menos. Por que? Coragem de encarar os
avessos, não tampar mais o sol com a peneira.
E ele aprendeu a desaprender. E encarar a vida de frente, pelos dois
lados.
jmagioni
03/05/2012
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