15 de novembro de 2012

Avessos


E então aquele mesmo menino que todas as manhãs passava manteiga no pão e misturava café no leite, naquele dia, e sabe-se lá porque naquele exato dia, resolveu olhar os avessos...

O que está por trás de um cuidadoso bordado? Que mistérios traz aquele entrelaçado de linhas? Qual seria a outra face da moeda? Foi como propor-se a descobrir  quais eram as fantasias dos palhaços além dos picadeiros. Saber se eles sempre riem, sempre são felizes, se sempre trazem  a face pintada com as cores da alegria.

Deveras, o medo vem logo em seguida, como aquele medo de dar um passo no escuro sem saber se o chão próximo é firme e sustenta. E ele indaga-se: “Que tanto de coragem eu preciso pra encarar os avessos? Cabe tudo isso dentro de mim?”

Como um pássaro que alça voo ele decidiu ser forte, talvez como nunca tivesse sido na vida, e, com os olhos trêmulos mas o coração decidido, resolve adentrar nesse labirinto. E decide fazê-lo sem usar um novelo de lã, como fez Teseu um dia.

Ai, a ânsia que trazem as novidades. Eles quis conhecer todos os avessos, e o foi fazendo como um viciado, sem freios, e já não tinha mais medo... O que ele ia encontrando ia se misturando à sua essência e sua vida foi se tornando um outro avesso, que era uma bagunça de todos aqueles avessos juntos.

E foram tantas reviravoltas que ele já nem sabia mais o que era certo e o que era avesso. E tudo se resumiu a uma palavra: DESAPRENDER.

Ele se viu diante de um balaio no qual todas as coisas que ele apanhou enquanto seguia a estrada da vida estavam dentro, e resolveu desaprender algumas delas. Sentimentos que perderam o manual de instrução, emoções sem pilha, amizades que secaram por falta d’água, amores que morreram na clausura.

“Por que eu acumulo tantas coisas?”, perguntava ele cada vez que mexia no seu balaio. E assim resolve ir se livrando, sem hesitar, sem receio de precisar daquilo novamente, pois se aprendera um dia poderia reaprender, se for necessário. E foi dissipando aquilo que já era pobre e indigno dele.

Pronto. Conhecera o avesso do seu balaio. Conhecera a arte de deixar ir, deixar seguir,  de se desfazer e desaprender. Equalizou suas metáforas, replantou as suas raízes, refez seus conceitos.

Esse menino aprendeu que nem sempre vai ser feliz, que nem sempre as coisas vão dar certo no momento que ele queria que elas dessem, que nem todas as sementes vão germinar e nem todos os tiros acertarão o alvo. Mas o que aprendera de mais importante foi que dá pra ser feliz em meio a isso tudo. Por mais perfeito que seja o bordado, ele tem um avesso que o nega.

E desse dia em diante passou a aceitar a vida e suas antíteses. E sofreu menos, e chorou menos, decepcionou-se menos. Por que? Coragem de encarar os avessos, não tampar mais o sol com a peneira.
E ele aprendeu a desaprender. E encarar a vida de frente, pelos dois lados.


jmagioni
03/05/2012

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