22 de novembro de 2013

Não, obrigado



Meia hora, meio dia
meia lua
meia luz
meia vida.
Só nunca meia companhia.

Meio termo, meio campo
meio cheio
meio vazio
meio ambiente.
Só não me venha com meios carinhos.

Meias verdades
meio disfarçadas
no meio de palavras doces.
Cartas de amor pedidas
na gaveta de meias.

Deve haver um meio
de não haver meio.
De ser pleno,
inteiro.
No meio disso tudo.





7 de agosto de 2013

Incertezas certas


Ficamos nós na espreita
na borda de um amor
que quase acontece,
que quase ama.

Ficamos entre
o vinho branco e o tinto,
entre a rosa e o espinho,
entre o teu amor e o meu caminho.

Entre esquerda e direita,
sai tu pela tangente.
Entre isso e aquilo,
nada. Absolutamente.

Entre o meu saber
se te amo ou não,
eu fico com a certeza
de que não me amo.


2 de agosto de 2013

A falta que nada faz



Eu acho sonho
que sinto
que sei.
Mas no fundo é nada.
Um nada completo de tudo,
assim como nuvem
que se passa por algodão.

Os ponteiros giram às avessas,
o tempo passa voltando
naqueles lugares escuros e claros
de um passado colorido,
no qual nossas formas disformes
encaixaram-se.

O tempo acelera
e freamos freneticamente:
é frívolo!
A colisão é inevitável.
O que há de ser dos nossos destroços?

Ah, como quisera eu
ter-te dito tudo que me engasga,
tudo aquilo que furtei-me de dizer,
por medo de me equivocar
na morfologia e na sintaxe.
Ter-te lançado todos os objetos,
diretos e indiretos.

Eu acho que esse nada,
no fundo, é tudo que sinto e sei.
Só não mais sei
se sonhei.


9 de julho de 2013

Apenas mais um de amor

Eu sou desses que vira e mexe se pega pensando no amor.
Que duvida do amor.
Que busca o amor.
Que vive o amor.
É tão estranho eu poder fazer tantas coisas com ele,
mas se me pedissem que o definisse
não tardaria a esbanjar minha falta de palavras.
O amor, digo a ideia de amor, surge do nada
(será que o amor mora no nada?)
vem no caminho da padaria,
na corrida de fim de tarde,
na antessala do dentista.
Nem aqueles mosquitinhos que aparecem aos montes durante o verão
conseguem nos desassossegar tanto como esse talzinho.
Eu poderia contar os dias da minha vida pelas minhas ideias sobre ele.
Entre o tirar e pôr a cabeça no travesseiro sempre vem aquela voz:
"as definições de amor foram atualizadas."
O amor tem muito do achismo;
a gente vive achando que é amor mas no fundo...
(seria o não amor?)
Tem muito de cilada, de encrenca, muito de pulga
atrás da orelha, do braço, da perna, do miocárdio.
Eu acho que...
Bem, veja eu achando mais algo sobre ele.
Chega de achar.
Vou ali amar um pouquinho e já volto.

4 de julho de 2013

Apenas mais uma inconstância cotidiana

As coisas na vida da gente
são mais simples do que parecem.
Ou elas acontecem
ou não acontecem.

Mas o que tira o sono nosso
é o interlúdio,
o que acontece e não acontece
entre o acontecer e não acontecer.

A vida é feito caixa de expectativa.
Tanto já ouvi: viva como se não houvesse o amanhã!
Mas é que vieram tantos amanhãs!
Todo hoje tem tido seu amanhã,
e todo amanhã o seu depois de amanhã...

As vezes me parece que esqueceram do ponto final,
e no livro que a gente escreve a vida
as páginas são infinitas.

20 de junho de 2013

Eu-desperto



Vem o tempo e fere a fúria
da mansidão dos sentimentos. 
Vem de súbito, no repente, 
nesses instantes, frações de eternidade. 

Da noite pro dia
são tantas as estrelas que escurecem, 
toda a lua que se esquece, 
ocidente-oriente. 
Espera-se o sol. 
Mas volta e meia vem ele
todo anuviado. 

Flagrado fui pela fragrante flor
do medo,
a rosa negra do nosso jardim 
em chamas. 

Não sei-me, 
Desaprendi-me. 
Perdi-me no encontro, 
encontro-me na despedida. 

Eu que o tempo engana
que fere
que cura. 

6 de junho de 2013

Angulare




Há que se tomar em mãos
matérias desconhecidas.
Há de torná-las em algo conhecido
mas sem explicação.
Que graça há em criar aquilo que se sabe?
O colorido nasce da surpresa.

Há de ser sempre o tempo,
esse fatal fato,
inimigo da saudade,
paliativo das dores,
amigo das coisas desarrumadas,
aquilo que trará o que nós precisamos
mas não o sabemos.

Há de se cultivar a semente,
esperar seu tempo.
Repara bem
quanto tempo leva um botão pra formar-se
e como a flor nasce no repente.
Veja como a noite atravessada na insonia é grande,
mas quando o sono é tanto, ela é questão de minutos.

Há de se constatar que as coisas
são aquilos que as chamamos.
A luz acesa do meu quarto
faz dia.
Não, não é noite.



3 de junho de 2013

Preamar

Já aprendi a não me perturbar com teu silêncio,
ele que é a resposta de todas as minhas palavras,
que exclama enquanto eu interrogo.
Teu sossego é meu desassossego,
tua calma, minha fúria.

Ah, meu amor, se tu soubesses
como essa viagem em vagões separados
tem me doído a alma,
virias correndo sentar ao meu lado.
Poderíamos pedir um café
e falar um pouco sobre a vida.

Viestes com essa função sublime
de completar meus paradoxos,
e com a magia de não lhes permitir
interpretação alguma.
São nossos paradoxos,
autoexplicativos para nós.

Meu bem, a saudade
do nosso ex-futuro
tem me feito chorar o dobro da metade.
Aquela semente que plantamos
germinou;
ela tem perguntado por nós,
que lha direi?

29 de maio de 2013

Eu lírico



Mundo, vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
talvez fosse uma solução.
Sim, da rima faço a poesia,
e ai de quem diga que nela
não há solução.

Poesia canta amores,
dores,
fala de flores,
fala de todas as coisas
que eu não sei o nome.
É catarse.

Ah, esse mundo de tantos Raimundos,
de tantas rimas,
de tantos meninos e meninas
que seguem suas sinas,
chorando por seus sonhos
rindo de suas desgraças.

A poesia não me deixa conformar,
me faz subir enquanto todos descem,
não querer quando todos querem.
A minha poesia é o que a vida faz de mim,
pois a vida é a mais longa poesia
ora em verso, ora em prosa,
ora nessas formas que só ela
pode ser.





28 de maio de 2013

Degelo

Que o nosso tempo caia devagar
feito chuva fina em tarde fria. 
Que nossas vidas saibam exatamente
onde combinam nossos encantos.
Em cada manhã perder-te
E encontrar-te
E perder-nos
E reencontrar-nos.

Que aos poucos descubramos o muito
daquilo que é o presente do futuro.
Que a presença seja doce
seja leve,
mas que o coração pulse no mais frenético dos ritmos. 
Que saibamos ser calmaria
em plena tempestade, 
no meu
no seu
no nosso abraço.

(A SSP)

22 de maio de 2013

Interiorando-me

Espero que me perdoe
pelo meu jeito pouco convencional,
de me esconder de ti quando eu mais te quero.
Espero que entenda
que não fujo de você,
fujo de mim.
Me carregam meus medos,
minhas incertezas.
Minha inconstância.

Espero que veja
o que vê os olhos do meu coração,
que em segundo algum deixou de pulsar por ti.
Assim, anseio que saibas o que eu mais sei,
e sei porque sinto,
e o que sei
é que nos amo.





17 de maio de 2013

To be or not to be?

Estou preso as presas
da pressa
do que me prende.
Estou pronto pra precipitar
feito nuvem que se forma,
mas delas só herdei a fragilidade.

Mostro-me forte sendo fraco,
quero ser fraco quando tenho de ser forte.
Quero não existir
quando tenho que ser.

Queria ser inglês
pra ser "to be".
Ser e estar.

Estar sendo,
ser estando.

Mas às vezes não sei ser,
nem estar.
E, então, o que sou?
o que estou?

Eu me perco no labirinto que eu mesmo criei.
Não sei usar o mapa que eu mesmo desenhei.
Fico parado defronte às minhas próprias metáforas,
das quais não tenho desprendido interpretação alguma.


13 de maio de 2013

Dove sei tu?


Cansei de chorar ouvindo Chico e Cartola,
agora eu choro ouvindo qualquer coisa.
Às vezes me parece que sinto
a tua saudade e a minha
todas juntas no meu peito.
E me arranho com as unhas dessa falta,
elegendo todos os teus pecados para comigo.

Eu sei que já nem sei mais o que sinto,
o que sei.
Se amar cura,
se amargura.

Tento sufocar o desejo
mas o desejo é tão meu
que sufoco a mim mesmo.
Homicido-me!

Tento apagar a lembrança
mas ainda há você.
Então quero apagar-te.
Suicido-te!

Mas se abro o livro
dos poemas do teu punho,
borrados pelas lágrimas dos teus olhos,
ressuscito-nos!

Transpomos o limite,
acendemos a vela que vela
nosso amor moribundo.
E assim é tão grande a certeza
da imensidão das minhas incertezas.



11 de maio de 2013

O que aprendi com meu avô


Como a vida passa... Isso não soa tão retórico pra mim aqui e agora, nesse quarto de  hospital, vendo meu avô. Esse contraste enorme entre essa imagem que eu vejo e aquela de meu avô de minha infância deu vida a essas palavras: COMO A VIDA PASSA! Elas estão aqui agora, ora parecem me enforcar, ora parecem me empurrar, ora elas simplesmente ficam...

Que mania boba a gente tem de esperar o próximo dia, o próximo mês, a próxima estação... O que será que tá dentro desse velho coração que ainda bate? O que somos nós diante desse peso que o passar do tempo joga sobre essa matéria que abriga nossa alma?

Vendo ele aqui eu senti o peso da “meninice” saindo de mim. É como se de repente eu me torna-se adulto, como se as coisas tivessem tido uma mudança total de valores. Como não pensar e repensar em tudo diante de uma vida se esvaindo?

É meu avô que gerou meu pai, que me gerou. De uma forma ou de outra, é um pedaço meu que vai indo. Mas esse mesmo pedaço volta... Volta pelo meu pai.

Meu pai me ensinou a ver a vida como algo circular.
Um dia, meu avô cuidou dele, pois ele era pequeno, indefeso e debilitado (Recordo-me da história do leite de cabra, que meu avô caminhava longos percursos pra busca-lo, pois o leite da minha avó era fraco.). E assim eu vi isso se repetir durante toda a doença de meu avô. Agora era ele quem era fraco, indefeso e debilitado. Aquele que um dia era carregado naqueles jovens braços fortes, hoje carrega e ajuda esses velhos braços fracos e cansados. Foi a mais bela lição que aprendi com meu pai: a lei do retorno na sua mais bela metáfora!

Apesar de tudo, eu ainda enxergo a alma jovem de meu avô. Talvez também seja assim que eu queira viver de hoje em diante: preservar-me menino, mesmo que meu corpo queira dizer o contrario. É isso... a vida vem da alma, e é por isso que aqui e agora o que eu vejo é vontade de viver, seja aqui ou lá, mas ele vai viver. E vai viver eternamente menino...



Terra Roxa, 28 de dezembro de 2011.

Cerca de 2 minutos após eu escrever isso, eu entrelacei minha mão com a de meu avô e ele, com a sua última gota de força, apertou-a e se foi...

Reflexo sobre imagens passadas


O tempo e sua incrível missão de passar... Dias, meses, anos e as sementes que plantamos conforme eles correm. Ficam lembranças. Boas ou ruins, elas ficam. Amigos que cultivamos, laços que criamos, barreiras que a gente derruba, os tombos que a gente cai. Isso tudo se faz necessário para construirmos o que chamamos de presente. Os tempos de outrora não voltam, a vida corre solta e a gente tem que escolher abraçar isso e desprender-se daquilo.

Em algumas coisas é bem fácil por ponto final, noutras não. Nem um pouco. Há também aqueles capítulos nos quais, por mais que saibamos o quanto mereçam um ponto final, insistimos em saudar-lhes com reticências na esperanças de voltar a discorrer sobre eles num parágrafo qualquer no futuro. Às vezes, por ironia do destino, até acontece. Mas não vale a pena ater-se a isso. Não que esperança seja sinônimo de atraso, mas é que a vida vai indo feito um barco de papel solto na correnteza, e às vezes a gente tem essa mania besta não enxerga o que tá bem na frente do nosso nariz, ora. Deixemos que as ironias do destino sejam realmente irônicas, pois.

Olhar pra trás tem que ser pra ver ao que vale a pena se entregar no presente, no que vale a pena acreditar para o futuro. Não é digno de louvação tropeçar na mesma pedra na qual já tropecei. Catapora a gente só tem uma vez, então porque é que temos que sofrer do mesmo mal tantas vezes? Usemos a lógica da catapora. Aconteceu uma vez, criei meu antídoto. Pronto, chega. De agora em diante esse mal não me pega mais.

Entretanto, enumeremos as vezes que ficamos parado num mesmo ponto, por um tempo tão grande, estagnados, feito uma trepadeira que cresce numa árvore. Quantas coisas passaram, quantas oportunidades insistiram em gritar: “hey, estou aqui!” e nós preferimos fingir que “não estamos”. E, quase sempre, elas não voltam, não! Veja, até elas usam a lógica da catapora: tentam insistir na gente uma vez só.

O fato é que as coisas só acontecem quando nós as fazemos valer. Não queiramos colher bons frutos sem ao menos plantar uma semente, ou a plantar e não cuidar. Tudo que deixamos cair nesse nosso terreno do hoje é determinante para a colheita presente e futura. Escolha valores, escolha amigos e cultive os que já têm. Não se contente com pouco no que diz respeito ao teu crescimento, afinal é um esforço que refletir-se-á em teu benefício. Ninguém chega ao décimo degrau sem antes passar por outros nove, ninguém ganha na loteria se não comprar o bilhete.

As coisas não são perfeitas e quase nunca do jeito que a gente quer. Então escolhamos melhor pelo que vale a pena lutar ou sofrer, para que, quando fizermos um passei pelo nosso museu interior, o que sintamos seja só saudade boa e, com o peito estufado e até mesmos com lágrimas felizes nos olhos, digamos: “puxa, como valeu a pena!”.
Você já olhou para o céu hoje? Não?!
Não perca tempo, amigo. 
As estrelas convidam para um dialogo necessário.
Tudo aquilo que você hesita pensar elas cintilam.

Os homens criaram mapas baseados nas estrelas
E hoje são elas quem orientam minha noite, 
cintilando este ceu granulado,
jocoso e misterioso.

Sai pra lá, matemática!
Não quero suas fórmulas.
Esses pontinhos azuis me indicam
Todo o caminho. 

4 de maio de 2013

Perspectivas


Hoje as estrelas são só astros.
Outrora elas eram vaga-lumes
olhos dos deuses
pérolas ponteando no céu escuro.

Hoje as nuvens são apenas partículas diminutas de gelo.
Mas elas já foram árvores
gatos
picolés
sorrisos.

Agora o arco íris não passa de um fenômeno óptico.
Mas ele já foi um escorregador
por onde nós descemos
até os abraços mais profundos,
até os sonhos mais abstratos.

Hoje as rosas têm espinhos
não pétalas.
Eu não acho mais graça nas tardes de domingo,
nem no brigadeiro de colher,
nem mesmo o pôr-do-sol no Jardins dus Tuileries
é bonito como já foi um dia.

Nosso plural singularizou-se.
De que adiante um pretérito mais-que-perfeito
se o presente é saudade?
Eu sou transitivo direto.
Você, objeto.




1 de maio de 2013

Encontro

Eu gosto de me perder
pois eu nunca mais me encontro.
De todas as vezes que eu me perdi
me resta um resto
do restante do que restou de mim.

Eu me fragmento
me fraciono em perdas constantes.
Se perder-se também é um caminho
meu Deus,
como eu sou caminhante!

Perdendo-me eu deixo o que pesa
o que envenena.
No futuro eu perco meu passado
para não enlouquecer no presente.

Aliás,
se todos os segundos seguintes são futuro,
se todos os segundos anteriores são passado,
o presente dura um segundo?
E um segundo, quanto dura?

Eu me perco no tempo
porque o tempo se perdeu de mim.
O tempo
"insônia da eternidade".

30 de abril de 2013

Visita noturna

O silêncio é o pior barulho que existe.
Ele canta as minhas inseguranças
sussurra meus medos.
Ressuscita o gigante que dorme em mim
E ele, acordado, não cabe dentro de mim.

Assim ele me sufoca
Me transborda
Excede os limites do meu eu.

O silêncio é um espelho
No qual eu me vejo de dentro pra fora
E que anula todas as possibilidades
De eu esconder-me dentro de mim mesmo.

28 de abril de 2013

Miscelânea

Gosto tanto quando vejo
o som do teu suspiro
quando aperto teu cheiro
com a palma do meu coração.

Quando tua mão toca
o meu pensamento,
quando teu beijo
beija minha alma.
Ah, esses teus lábios de vulcão.

Teus olhos em mi maior,
como a serenata para cordas
tão doce aos meus sentidos,
onde o rio mergulha
e perde o curso.
Teus olhos de Iara.

Vem, meu amor,
vem por o teu sorriso no meu caminho
pois só assim passa a minha dor.





Dias de flores
Dias de espinhos
Incontornável paradoxo cotidiano.
Uma rosa sem espinhos não é uma rosa.
Aceitar a beleza
e seus avessos
para viver o real.
Ou conformar-se com o efêmero
imaginário
de que rosas
são apenas pétalas.
Até que o primeiro
espinho
fure o nosso dedo.

Te adorando pelo avesso....


25 de abril de 2013

Byron

Há de acabar.
E o A do acabar é o mesmo A do amor.
Por isso eu acho que o amor foi feito pra acabar.

Amor é que nem livro bom, sexo gostoso,
e semana... A gente só quer prorrogar o fim.
Mas ele sempre acaba.

Amores radioativos.
Uma vida. Meia vida.
Abracadabra!
O amor sumiu.




18 de abril de 2013

Apelo

Doeu o engano
doeu o dessabor
doeu uma profunda dor.
Doeu esse teu jeito cigano.
Mais do que ideias longe do papel
o que mais doeu foi o bom disco de Noel.

Ainda pesa a decepção
o escancaro da minha ingenuidade
Ah, como dói acreditar que é verdade,
que de olhos azuis também vem a traição.
Foi tudo pro belelel!
E junto foi o disco de Noel.

Essas coisas de uma noite
parecem que vem só pra passar
vem e vão sem nada deixar.
Mas dessa vez ficou um açoite.
Poderia ter sido a imagem de São Francisco ou o boleto do aluguel
Mas foi justo o bom disco de Noel.

Não lembro teu nome
tampouco teu endereço.
No fundo houve um apreço
e depois fome.
Deixa de ser assim tão cruel,
Volta pra me emprestar o meu disco de Noel.






24 de março de 2013

O menino e as pérolas da estrada


Eu via um menino... um menino e uma estrada longa. Ele vestia uma bermuda surrada azul e uma camiseta branca com uns dois ou três furos que retratavam que ela não era muito nova. A sola dos pés tocava a terra da estrada.

O menino e a estrada... e ele seguia por ela.

Várias coisas existiam nesse caminho. Porém ele seguia sem notá-las. Havia algum tempo que nada do que via lhe fazia olhar com mais intensidade, vontade e apreço.

Num dado momento, totalmente inesperado, enquanto seguia seu caminho, avistou pérolas. Sim, pérolas... e elas brilhavam muito quando ele as vias de longe, sob a luz do sol que ardia fortemente. Eram pequenas. Pequeninas e frágeis pérolas...
Então ele acelerou seus passos na ânsia irrevogável de chegar mais perto, de tocá-las, de tê-las... e seus olhos brilhavam tanto quanto elas. Um brilho que a muito tempo não se fazia presente naqueles olhos profundos, que carregavam medo e receios de tempos passados. Mas aquelas pérolas que avistara ao longe estavam sendo capazes de trazer-lhes luz.

Ia se aproximando, chegando perto... o coração batia a um ritmo desconhecido, um ritmo forte, descompassado, que gritava coisas loucas e lhe bombeava o sangue de uma maneira salutar, que lhe fazia sentir coisas desconhecidas ou adormecidas em uma memória afetiva ainda marcada por coisas não tão boas.

Mas de repente esse brilho começava a diminuir, passava a ser um tanto quanto fosco, ainda que de uma maneira gradual... e então esse menino diminuía seus passos. Ele tinha medo! Porque elas estavam tornando-se menos ofuscantes? o que estaria acontecendo?
Aquele ritmo descompassado do seu coração que antes era de esperança e alegria vai se tornando um ritmo de agonia. Mas ele não podia parar, ele queria descobri o que estava acontecendo com aquelas dádivas que tinha avistado...

Ele novamente acelera seus passos... e quanto mais perto ele chega, menos brilho elas possuíam, até chegar a um ponto em que começam a desfigurar-se...

Não são mais tão redondinhas e nem aparentam algo valioso. Ainda que lhes existisse um brilho não era o mesmo que ele avistara antes. Não é “o” brilho... é só um brilho, um brilho qualquer, de um cascalho, talvez.

Ele perde, então, a força que lhe fez caminhar ansiosamente ate ali... Senta na beira daquele caminho, deita a cabeça sobre os joelhos, fecha os olhos e tenta sentir alguma coisa. Sim, ele tenta sentir alguma coisa, pois lhe parece que todos os sentidos foram roubados por tamanha desilusão.

Primeiro procura rever as forças físicas, para que possa levantar a cabeça, abrir seus olhos já molhados e marcados pela decepção, e encarar aquilo... Aquilo que era a realidade.
Infelizmente eram apenas cascalhos...
Cascalhos que estavam ali por todo o intemperismo que aquele caminho sofreu... eles não tinham motivos especiais, apenas cumpriam sua missão de cascalhos.

Ele então pega alguns deles na mão, quer ter certeza de que são mesmo pedras sem valor. Ou pelo menos aquele valor que ele registrara de longe... e eram...

Silêncio... Havia outra coisa qualquer para aquele momento?
Dúvidas... Consequentemente elas viriam.

Porque será que ele imaginou serem pérolas aqueles inocentes cascalhos distribuídos ao longo daquele caminho? Quais motivos aquele simples menino que trajava bermuda, camiseta velha e tinha os pés descalços tinha para enxergar tanto valor em coisas simples, e porque essa mesma imaginação que existia ao longe não se fez presente perto?

Talvez lhe faltasse algo... não perto, mas longe. Algo sublime, algo ímpar, fundamental para enxergar a realidade, mesmo que distante ou mesmo que lhe pareça melhor confundir cascalhos com pérolas. 

Cascalhos não são perolas! Disso ele sabia!

Mas... era justo ele se privar de viver aquele momento maravilhoso que foram seus poucos passos em direção às “perolas” que viu ao longe?

Não... não era.

O sangue humano que lhe corria nas veias não permitiu tal proeza. Eram pérolas... ao menos pra ele e naquele momento, e ninguém pode negar isso...

Beije a flor, mas não se guarde da chuva.  Gire o sol, mas não se guarde dele. Não queira amor-perfeito, não guarde-roupas novas. Viva! Talvez essa seja a palavra-chave, pra essa bomba-relógio que é a vida. Bem-te-vi, bem-me-quer! Louva-a-deus, João-ninguém. Grite nos auto-falantes. Jogue fora o baixo-astral, sem cara de segunda-feira.  Água-viva, água-benta, água-régia. Não ouça as más-línguas, cabeça-dura. No fundo a vida é doce, feito marrom-glacê, pão-de-ló, pé-de-moleque. Bel-prazeres. Se a tristeza chegar, um padre-nosso e três ave-marias.

Traços


O teu rosto no retrato é mais real do que retratam os teus
traços. Traços que também estão no retrato, mas face a
face são móveis, ali estão estáticos.

Traços no retrato que são largados e esquecidos no fundo
da gaveta, e que as traças comem.

Traças comem traços, assim como me comiam teus
braços, naquele laço, naquele embaraço.

Profundo amasso, profundo fracasso...

Fumar, fumar, fumar cigarros aos maços, envolver-me na
fumaça ao som de um tango, bebendo um vinho
vagabundo, que não vale um mango.

Me sinto tão livre de você agora; tão livre quanto um
pássaro na gaiola.

Livre pra viajar e me afundar nessa saudade que me
prende e me rende ao prazer de sentir teu suor escorrer no
meu corpo, fruto de quando meus traços e teus traços se
juntam em mals tratos.

Realizamos o ato.

Sofre coração... sofre mais uma vez. Você merece ter mais
esse traço de fraqueza; fraqueza da carne do miocárdio.

1 de março de 2013

Mundo Grande


Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem… sem que ele estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo…
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.
(Carlos Drummond de Andrade)

26 de fevereiro de 2013

Espelho reverso

Imagine uma criança que ganha um brinquedo novo, inédito, com o qual ela não sabe brincar. Então ela toma em suas mãos o manual mas... essa criança ainda não sabe ler.

Assim sou eu: na prática eu não sei nenhuma das minhas teorias.

13 de fevereiro de 2013

A Epifania Canina


Eu cheguei e ele estava lá...
Estava deitado, olhando à frente, atento  a qualquer mero sinal que pudesse lhe dizer “olha, tem gente aqui!”
Cheguei em torno de uma da manhã do aniversário de um amigo e, ao me aproximar de casa, vi o Tor, meu filho mais velho, trancado para de fora do portão. Obviamente por engano, meu pai fechou-o no momento em que ele saia para dar a sua costumeira volta noturna.
Logo ao me reconhecer, entregou-se à uma euforia sem fim! Latiu, chorou, pulou; enfim, papai chegara
E assim, logo que abri o portão (lógico, depois de afagar loucamente seu “pé do ouvido”) ele adentrou à nossa casa efusivo e disparado e se pôs a esperar-me na porta. Quando eu a abri foi notável a sua reação: Tor foi desesperadamente procurar meus pais, se certificar que eles ainda estavam lá, que ainda eram sua família, que tudo não passava de um mal entendido, e, então, só depois se dirigiu pomposamente à sua casinha.
Me coloquei a pensar nisso aqui e algumas cenas/situações vieram à minha mente:
Na vida quantas vezes nossos cotidianos são interrompidos por situações adversas, que desmoronam nossa força, mudam bruscamente nosso caminho, alteram nossa rota, e tudo isso sem pedir licença alguma?. E pá e bum! Quando vemos já tá tudo às avessas...
E, infelizmente, não temos a mesma sorte do Tor! Não dá pra ir correndo à frente e descobrir que é tudo um mal entendido, que não é possível sentar no portão e esperar o alguém que vai mudar subitamente nossa realidade.
Alguns de nós ainda esperamos no portão todas as vezes que somos traídos por quem menos esperamos; quando o nosso amor vira dor, de repente; quando uma flor morre. Quantas mães ainda esperam no portão quando seus filhos se vão; quantos filhos não esperam seus pais que, mesmo vivos, não lhes dão amor. Quantos no portão não passam fome e frio, não são injustiçados e incompreendidos, e esperam quem lhes vai abri-lo, rompendo, então, com seus medos, incertezas e carências.
Algo tinha de brotar disso tudo... e a minha indagação, então, é: quantas outras vezes eu posso abrir o portão? Quais outros momentos eu posso romper com barreiras em vez de mantê-las? Aonde mais eu posso levar a certeza pra o ocupar lugar da dúvida?
E foi isso que a fidelidade do Tor me ensinou hoje. Depois dizem que cachorro não fala...